Ande
Resolveu ir andando. Teve um minuto de paralisia de dúvida. Pra onde? Por quê? Se obrigou a continuar. O medo deixava as pernas pesadas. Medo de estar indo para o lado errado. De não conseguir voltar. Mas a voz dentro da sua cabeça continuava: ande! Não importa, ele sabia que nada importa, a verdade é que nada nunca importou até agora, Obedecia. Sempre obedecia a essa voz e somente a ela. Ouviu quando ela o mandou ir embora de todos os seus empregos, quando ela mandou que ele abandonasse todas as mulheres que amou, quando ela simplesmente ordenou que ele não mais telefonasse nem tentasse encontrar aqueles de quem sentia falta. Ande! E ele andava.
A caminhada esquentava os músculos e parecia que o medo se transformava numa euforia, a expectativa de um viajante que não conhece seu destino. Olhava os sapatos e ria, não se importando se quem o estivesse vendo ia achar estranho, se pensassem que ele estava louco. Ria mais ainda quando alguém estava olhando. O mundo é tão doido. Pensava em todas as piadas que já tinha ouvido, todas as gargalhadas voltavam, e aqueles sapatos, para onde diabos estavam indo aqueles pobres sapatos? Seus pés deixaram de lhe pertencer, ele terminava nas pernas, ou talvez no pescoço ou talvez aquele corpo inteiro tivesse vontade própria e ele fosse apenas uma alma presa ali dentro, condenado a compactuar com as decisões que a matéria tomasse.
Percebeu que desviava de algumas ruas, cortava caminhos entrando em galerias, por que cortava caminho? Estaria com pressa? Com certeza, tinha sensação de ser a primeira vez que andava na vida, será mesmo que sempre esteve parado? Mas fez tantas coisas...Foi tantas coisas...não sobrou nada? ANDE! Calma, não precisa gritar. Viu que tinha a diminuído sem querer a velocidade no momento em que começou a pensar por que estava andando e para onde e tudo o mais. Melhor só andar. Mas, e o cansaço? Logo as pernas iam começar a doer, ia sentir fome, dor no pés, ia ter que parar, quanto tempo? Ande. Examinou-se e notou com alguma satisfação que estava tudo bem, as pernas não reclamavam, o estômago também não, os pés, bom, os pés pareciam ser os únicos que sabiam o que estavam fazendo.
Tentou relaxar e apreciar o caminho: árvores, pessoas, nada muito diferente, vendedores, sinais de trânsito, pare, ande. Ande. O caminho era uma multidão, na calçada uma multidão de pedestres, nas ruas uma multidão de carros com uma multidão de pessoas dentros do carros, tudo isso junto resultava numa multidão de pés. Todos os pés andavam. Os dele também. Era isso que eles estavam fazendo. Todos os pés do mundo obedeciam a voz que estava na sua cabeça. Ande.
Gisela Cesario
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