Fumaça
Num lugar escuro, onde pode-se distinguir apenas a fumaça dos cigarros, dois personagens conversam:
- Não acredito que você fez aquilo.
- Não fiz isso.
- Isso não, aquilo.
- Mas eu não fiz isso e acho bom você não acreditar.
- Eu sei muito bem que você não fez isso, estou dizendo que , apesar de ser difícil acreditar, sei que você fez aquilo!
- Aquilo? Eu?
- Aquilo mesmo, você, eu sei.
- Não, isso não. Eu não faria isso.
- Já disse que sei que você não fez isso, mas que fez aquilo fez.
- Eu não sou quem você pensa.
- Posso imaginar.
- Eu não sou mais aquele.
- Ah, é? Então quem é você agora?
- Esse.
- Esse?
- É, aquele que você conhecia morreu.
- Então quem está aí?
- Esse aqui! Eu!
- Você não mudou nada. As mesmas brincadeiras idiotas. Só que agora o assunto é sério. Isso não é coisa que se faça.
- Já te disse que não fiz isso.
- Isso ou aquilo, qual a diferença?
- Nenhuma, já que não fiz nenhum dos dois.
- Olha, desisto.
- Desiste de quê?
- Disso tudo.
- E daquilo?
- Daquilo não. Aquilo é razão da minha vida. E você foi o culpado. Como pode ter feito aquilo?
- Aquele não era eu.
- Claro que era, era você, esse mesmo que está aqui conversando comigo.
- Você tem razão numa coisa, sou esse, mas não estou aqui.
- Como assim? Você está onde?
- Lá. Você não percebe? Essa fumaça toda, eu não fumo?
- Eu também não, mas o que você quer dizer com isso?
- Isso?
- É, isso que você está dizendo!
- Mas eu não estou dizendo isso.
- Já sei, você está dizendo aquilo.
- Bom, isso é você que está dizendo.
- Não queira inverter a situação.
- Isso está muito confuso.
- Isso não é nada.
- E se isso não é nada...
- Já sei o que você vai dizer, se isso não é nada, isso é tudo.
- Isso não é tudo.
- Tem mais?
- Tem aquilo.
- Não agüento mais isso, essa confusão, essa fumaça. Peraí, tem alguma coisa ali.
- Ali não, aqui.
- Isso mesmo, aqui, o que é isso? É isso mesmo que eu estou pensando?
- Não, é pior. É aquilo.
Gisela Cesario
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