Saturday, January 29, 2011

Paranóia?

Leonel Leal era paranóico como todo escritor que se preza. Pelo menos, na opinião dele, todo escritor que se prezasse tinha de ser paranóico. Ou isso era paranóia? Era, claro. Porém, Leonel estava se tornando um pouco paranóico demais. Não estamos falando somente de coisas simples como ficar olhando pelo olho mágico para se certificar que não há alguém no corredor ou mandar verificar se há grampos no telefone, muito menos procurar um explosivo no motor do carro antes de sair. Até aí, digamos que tudo bem.

A paranóia de Leonel não afetava sua vida. Ele morava sozinho num conjugado que tinha como únicos móveis sua mesa e cadeira, o colchão ficava no chão, os livros ficavam no chão, até os pratos ficavam no chão. Leonel não confiava em móveis. Nunca confie em algo que junta poeira. Outra máxima dele. Em cima da mesa, uma máquina de escrever e muito papel, instrumentos do seu trabalho. Óbvio que não confiava em computadores, jamais iria criar uma senha, fazer um login. Por incrível que pareça, para os poucos que conheciam Leonel, até aí tudo normal.
Foi hoje que Leonel percebeu que estava exagerando, apesar de já desconfiar, uma vez que ele sempre desconfiava de tudo. O telefone (de fio) tocou. Leonel, como sempre, tirou o fone do gancho e ficou mudo. Dizer alô, jamais. Silêncio também do outro lado. Respiração. Mulher?
Leonel, fala comigo.

Era sua editora. Soraya Serra. Acho que não mencionei, Leonel escrevia para uma revista esotérica. A única revista redonda, em formato de bola de cristal. Chamava-se “Futuro hoje”. Leonel era o único redator ( apesar de ele preferir ser chamado de escritor), o resto eram anúncios e matérias pagas. O Sr. Leal, nome que dava credibilidade às suas colunas, escrevia tudo, desde previsões astrais até estudos teológicos sobre canonização. Claro, também respondia cartas, consultas de leitores. Era sobre isso que sua editora, a impaciente Soraya queria falar.

Leonel, você poderia dizer alô?
Alô.
Tá, que bom, agora sei que você está ouvindo. Antes que você pergunte, não estou no viva voz, não tem mais ninguém na sala e não, essa conversa não está sendo gravada. Ok?
Ok, Soraya, pode falar, estou ouvindo, algum problema? Deve ter algum problema, você nunca me liga.
Realmente, você tem razão, tem um problema, Leonel, a resposta que você escreveu para a leitora, a Dona Clotilde, eu não posso publicar isso.
Por quê?
Porque é impublicável, nunca vi uma previsão tão catastrófica e maluca, já reparei que você estava mais paranóico, mas..
Como assim reparou? Reparou como? Quando?
Ah, Leonel, reparei reparando, pelos seus textos, pela quantidade de vezes que você repete “desconfie de”...
Eu não repito, eu uso meu dicionário de sinônimos, e estou muito desconfiado dessa sua desconfiança de que eu estou muito paranóico.
Leonel, você mandou a Dona Clotilde examinar os bicos do fogão para ver se a empregada não estava tentando matá-la sufocada com gás.
E o que tem isso de mais?
É absurdo. Claro que a empregada dela não quer que ela morra.
Como você sabe? Você conhece a Dona Clotilde? Conhece a empregada?
Não, Sr. Leal, eu conheço você e sei você pode escrever uma resposta melhor.
Está me demitindo?
Meu Deus, claro que não!
Está buscando uma desculpa, um motivo para me demitir, está culpando minha paranóia.
Você está cada vez pior, só estou dizendo...
Está dizendo que estou cada vez pior, se isso não é motivo pra me demitir, não sei o que é.
É só um aviso, sou sua amiga acima de tudo, não gosto de ver tão doente assim.
Não tenho amigos.
Claro que tem, sou sua amiga, você sempre soube que podia confiar em mim.
Quem te disse isso?
Leonel, somente acho que você deveria tirar alguns dias, um mês quem sabe e relaxar num lugar tranqüilo.
Que lugar tranqüilo?
Bom, eu podia te indicar, mas você certamente não iria acreditar, então é melhor você mesmo decidir.
Realmente, eu jamais aceitaria uma indicação sua, não leve a mal, não aceito indicações de ninguém.
Eu sei, amigo, eu te conheço, só quero que você melhore e volte mais calmo.
Tem certeza que não está me demitindo?
Ora, não seja paranóico, ou melhor, não seja ridículo. Por que eu teria medo de dizer que estou te demitindo?
Quem falou em medo? Eu só falei em demissão.
Leonel, eu realmente preciso desligar, é isso, tire um mês de férias, ta bom?
Por que você precisa desligar? Como posso saber que está falando a verdade?
Ora, eu nunca atrasei seu cheque, nunca falhei em promessa alguma, sempre fui sincera com você. Por que iria ser diferente agora?
Desculpe, Soraya, você tem razão, mas é que tudo tem sua primeira vez e eu imaginei....
Tudo bem, desculpado, agora não imagine mais e boas férias.

Pronto. Bateu o telefone. Leonel ficou ouvindo o tam tam tam tam que faz um telefone sem alguém do outro lado.

Olhou à sua volta, o imenso vazio de tudo, olhou sua mesa, sua máquina de escrever. O que iria fazer nas férias? E Soraya, o que ela estaria fazendo agora? Respirou profundamente e balançou a cabeça. Dessa vez, não, Leonel, disse pra si, mesmo, chega de paranóia.

Abriu a porta, saiu sem olhar antes no olho mágico, deu bom dia aos vizinhos e decidir que ia aproveitar um pouco aquele dia de céu tão azul.

Enquanto isso, Soraya tinha um jovem um pouco desconfiado à sua frente, ela estava tentando tranqüiliza-lo, explicando o quão estável seria seu novo emprego, mencionou que o nome dele era perfeito para o cargo: "Fausto Fiel". Ele só tinha que confiar nela.

Gisela Cesario

Tuesday, January 11, 2011

Amor, Sexo e Comidas.

- Eu amo lasanha.
- Como assim?
- Amando, ué’, eu amo comer lasanha.

Estavam os dois amigos em um daqueles bares que servem comidas no mínimo suspeitas, um deles limpava a boca num guardanapo já pegajoso e elogiava cada garfada da massa fumegante e cheia de queijo.

- Você come a lasanha, você não ama a lasanha. Amar é uma coisa, comer é outra. – Alberto era psicólogo e se orgulhava de, bêbado, fazer análises bizarras. Gustavo odiava esse lado do amigo, mas às vezes não tinha como não achar engraçado.
- Cara, você é ridículo. Isso vale pra mulher, não pras massas.
- Nem sempre, veja bem o meu raciocínio, o que você faz com uma mulher com quem você gosta só de transar?
- Como. Não era isso que você queria ouvir? E como a lasanha também! Alberto, dá um tempo, comer é uma gíria, eu não como literalmente uma mulher, não sou canibal.
- Você diria que está apaixonado por essa lasanha?
- Dentro do possível, sim.
- Dentro do possível, não, toda paixão ou amor tem que ter um quê de impossibilidade, está apaixonado ou não?
- Estou, mas de uma forma geral, não vou leva-la ao cinema nem nada, só come-la.
- Está vendo a semelhança? Eu sei muito bem que comida não é gente.
- Que bom – disse Gustavo com a boca cheia.
- Meu ponto é que sexo é um instinto tanto quanto a fome, a gente faz porque precisa não porque gosta.
- Mas a gente gosta.
- Não, isso não é gostar. É necessidade. Prazer é uma coisa que você obtém quando faz o que gosta embora não precise fazer. Alívio é quando você satisfaz uma necessidade. Comer quando se tem fome proporciona alívio, não prazer.
- Veja bem, Alberto – Gustavo sempre acabava se interessando pelas maluquices do amigo – Alívio seria se eu comesse pão com manteiga e água, eu estou matando a fome com lasanha e a sede com cerveja, isso não é prazer?
- Hum – Alberto ficou pensativo – você concorda que sexo é uma necessidade?
- Concordo.
- Então num caso de extrema necessidade você faria sexo com a mulher mais feia do mundo, estou comparando a mulher mais feia do mundo com pão com manteiga.
- Sacanagem com o pão com manteiga.
- Tá bom, com fome se come qualquer coisa, entendeu?
- Entendi, você quer saber se isso vale pra mulher também, entendi, sei lá, depende da fome, é vale, um moleque de 14 anos pega qualquer coisa.
- Continuando então, se esse moleque ou esse homem pegar um mulher muito bonita e gostosa – uma lasanha, digamos assim- ele estará amando ou continuará só comendo.
- Sei lá, Alberto, talvez o cara se apaixone.
- Então não se apaixonou ainda, já comeu e não se apaixonou, falta o quê?
- Convivência, a mulher pode ser um saco.
- Mas ele comeu com prazer.
- Deve ter comido.
- A mulher estava uma delícia, como a sua lasanha.
- Sei.
- Nem por isso é amor. Ele não satisfez sua necessidade com o básico, qualquer mulher, ele satisfez com um luxo, uma gatona, mesmo assim, continua sendo uma espécie de alívio. A diferença, caro amigo, é que você não precisa amar uma mulher. Sexo é essencial, amor é supérfluo. Amor é um luxo.
- Saquei. Então eu poderia amar essa lasanha se eu estivesse num restaurante bem caro?
- Não seja imbecil. Não é luxo no sentido financeiro, quero dizer que o amor é o que faz uma coisa de que você não precisa se transformar numa coisa de que você precisa.
- Explica melhor – a lasanha tinha acabado e ele já estava acendendo um cigarro.
- É como seu vício de fumar, ninguém nasce com necessidade de cigarro, mas todo mundo nasce com necessidade de comer, significa que a necessidade de cigarro é adquirida assim como a necessidade de uma determinada pessoa, muita gente sustenta que o amor é um vício, uma necessidade inventada na mente e que pode ser tão ou mais prejudicial que o álcool ou o fumo. E o pior. No amor ou no vício, não se tem fim. Por isso dizem que o amor é eterno. Você nunca tem o bastante de quem você ama. Jamais chega o alívio que as necessidades verdadeiras têm. É como se, mesmo sem fome, você continuasse comendo.
- Gula.
- Quê? Você deu essa volta toda pra dizer que sexo é fome e amor, gula.
Alberto ficou meio perdido, depois pegou seu choppe, deu um gole bem grande seguido de uma porrada na mesa e disse.
- É isso, porra, isso mesmo!
- Então vou pedir outra lasanha para você ver o quanto meu amor é sincero.

Gisela Cesario