Monday, February 22, 2010

Brigue

Acabei de desligar o telefone. Ela não quis falar comigo. Estava irritada, obviamente. Isso é um ótimo sinal. Mulheres irritadas fazem sexo três vezes melhor que mulheres felizes, elas têm mais garra, mais sede de vingança, tudo isso acaba se confundindo com tesão. Nada como uma boa briga. Principalmente quando sei que vou ganhar, só não sei quando vou ganhar.

Lia é minha namorada há 6 meses. Nosso relacionamento vai de mal a pior,mas ela não percebe porque eu não deixo, não permito que ela veja as pequenas ondulações no mar porque vivo provocando maremotos que exigem sua atenção inteira e imediata. Deu pra entender? Funciona assim: vocês estão passando um final de semana péssimo, tudo vai dando calmamente errado, engarrafamentos, filas nos bares, comidas sem gosto (em todos os sentidos), uma hora qualquer ela vai perceber que esse relacionamento não tem futuro, o que é igual a dizer que tem um futuro horrível, então o que fazer? Arrume uma briga, ou melhor, faça com que ela brigue com você, aí sim, seu cérebro (o dela) estará realmente ocupado. Como? É fácil.
Finja que seu celular tocou (ele deve estar dentro do bolso para parecer que estava vibrando), aí atenda com uma cara de agente da CIA no meio da guerra do Iraque, tape o bocal para ela não ouvir a voz que não existe do outro lado da linha e simule uma conversa absurda construída somente de monossílabos:
- Oi.
- Não.
- É.
- Tá.
- Só.
- Hein?
- Ah..
- Tá
Se for necessário, acrescente somente uma sílaba, pra irritar:

- Quando?
- Então.
- Posso.
- Outro.

Desligue. Olho pro rosto desconfiado dela e diga:

- Era o Luiz.

Isso será ótimo se o Luiz for uma pessoa que não telefona nunca pra você e com quem você jamais teve uma conversa tão integrada. Se ela não ficar desconfiada o suficiente, acrescente:

- Ele está com medo de ser demitido.

Agora só se ela realmente não estiver nem aí pra você, será possível que ela não ache nada estranho. Por que alguém com medo de ser demitido telefonaria para outro com quem mal fala e teria uma conversa feita de tás e oks? Nem a namorada mais burra do mundo cairia nessa. Ela pode usar a técnica de fingir que acredita só pra provocar o seu ódio, mas você poderá perceber pequenos sinais nos momentos seguintes. Tente, por exemplo, pegar a mão dela, que ficará rígida antes de largar a sua ou então ficará mole, gelada até invariavelmente largar a sua. Ela também pode colocar um sorriso congelado na cara, daqueles que transmitem muito mais ódio que alegria. Mas o melhor mesmo é se ela armar o barraco, aí você deve ser o mais incoerente possível. Tipo:

- Por que o Luiz ta te ligando?
- Já, te falei, ele ta com medo de ser demitido.
- E daí? Você não trabalha com ele.
- Ele queria conversar com alguém.
- Mas vocês não conversaram, foi só meia dúzia de palavras.
- Ah, as mulheres não entendem, homem fala pouco.
- Não seja ridículo, não era o Luiz, o cara nem é seu amigo.
- Ora, a gente se conhece a mais de dez anos.
- E nunca se falam, a não ser na praia.
- Acabamos de nos falar.
- Deixa eu ver.
- O quê?
- O celular, deixa eu ver seu celular.
- Ficou maluca? Está desconfiada de mim?
- Passa pra cá essa droga de telefone.

Agora é sua vez. O descontrole dela chegou ao limite. Pegue o celular, faça algumas manobras e declare:

- Pronto, apaguei todas as ligações. Ou você acredita em mim ou acabou.

Daí pra frente é com você, ela vai chorar ou gritar ou te bater ou todas as coisas juntamente. Você vai pra sua casa e ela pra dela ( atenção, não use essa técnica se vocês morarem juntos). Deixe passar 2 dias inteiros. Beba, saia com seus amigos mais mulherengos, pegue as mulheres menos indicadas, sinta-se livre ou simplesmente não faça nada, fique vendo dvds, organizando os livros em ordem alfabética, arrumando as meias por cor e aí, no terceiro dia, telefone. Como se nada tivesse acontecido. Não volte ao assunto, não peça desculpas. Só pergunte se ela quer jantar.Foi o que eu fiz. Sabe o que ela disse:

- Não posso falar agora. Ligo mais tarde.

Nada de desculpas, coisa mais normal do mundo. Respondi tudo bem e agora estou aqui, glorioso, esperando o que vai acontecer, o telefone tocar, ela dizer que hoje não pode jantar e mandando que eu ligue amanhã. Será sua pequena vingança. Eu fingirei que aceito a punição e talvez amanhã a gente consiga ter uma noite de sexo que preste. As mulheres não conseguem imaginar o sacrifício que a gente...peraí. O telefone. É ela.

- Oi amor.
- Preciso conversar com você.
- Fale.
- Liguei pro Luiz.
- Quê?
- Ele disse que não fala com você há um mês.
- Mentira – pense em alguma coisa, rápido.
- Ele está aqui do meu lado.
- Mentira.
- Alô. – voz de homem – caralho, é o Luiz, não acredito.
- Luiz, cara, o que você ta fazendo aí?
- A Lia fez questão que eu viesse, queria conversar pessoalmente.
- Saia daí agora.
- Não posso. Ela está chorando.
- Se você ficar, quem vai chorar é você, seu dedo-duro.
- Você não avisou que era pra mentir, eu falei a verdade.
- Passa pra Lia, seu desgraçado, passa agora.
- Alô – ela está fria, dona da situação.
- Eu sempre soube.
- Do que você está falando.
- Você e o Luiz, eu armei isso tudo só pra ver se ia acontecer o que está acontecendo. Eu sempre soube. Você e meu melhor amigo têm um caso.
- O Luiz não é seu melhor amigo.
- E o resto? Vocês estão tendo um caso? Acertei, não foi? Eu desconfiava, mas não tinha certeza, agora..
- Cale a boca, não tem nada disso, o Luiz só..
- Estou indo pra aí agora quebrar a cara desse desgraçado, você vai ver.
- Pe..

Desligo. Meu coração está acelerado. Passei dos limites. Me fudi. Nunca envolva uma pessoa que existe numa briga que não existe. Agora vou ter que espancar um amigo por causa de uma mulher de quem nem gosto. Odeio bater em pessoas que conheço. Espero que o desempenho dela depois dessa briga compense. O risco é grande, mas assim fica mais empolgante. Coitado do Luiz.

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