Friday, December 28, 2007

Mais um dia

A poucos dias do final do ano, os dois conversavam na praia, falando do que fazer no reveillon.

-Não acredito que você não vai fazer nada de diferente.- Disse Sérgio, ainda não totalmente curado da ressaca de natal.

Embora o estômago e a cabeça lhe implorassem por um minuto de sossego, Sérgio mantinha sua agenda de comemorações de fim de ano que todos sabem culmina no grande porre ( com o sentido que for) que é o reveillon.

- Não vou sair do lugar – respondeu o amigo.

- Estou a fim de passar na praia, mas se não tiver uma festa, é fogo, maior muvuca, aperto...

- Pois é, mas você insiste, né?

- Tenho que insistir, não entendo como você pode ficar nessa calma, repetindo sua rotina, como dia 31 fosse um dia normal.

- É exatamente isso que vou fazer, vou acordar à mesma hora e dormir também, e entre uma coisa e outra vou executar minhas tarefas normalmente, não dou a mínima.

- Acho espantoso, todo mundo correndo de um lado pro outro e você nessa calma.

- Por que você não aprende comigo? A ficar calmo ?

- Não dá, estou eletrizado desde primeiro de dezembro, compras, choppes, festas, noitadas.

- Aposto que não está trabalhando direito.

- Claro que não estou, ninguém está, todo mundo está que nem louco, comprando de dia e enchendo a cara de noite e se arrastando por aí em engarrafamentos. Ah, desculpa, todo mundo menos você.

- Mas eu preciso trabalhar, não sei fazer outra coisa e gosto que seja assim, você me acha insensível?

- Não, não é isso, mas você podia pelo menos dizer se vai aparecer dia 31.

- De novo essa pergunta, foi pra isso que você veio conversar comigo?

- Não, somos amigos desde pequeno, fui criado nessa praia, só acho que, já que temos tanta intimidade, não custava contar pra mim se você aparece dia 31 e dia primeiro. Juro que faço segredo.

- Ah, Sérgio, pelo amor de Deus. Não sou igual a você, não planejo as coisas, faço o que me der vontade na hora, se resolver aparecer, apareço, senão pode ser que passe uma semana sem ninguém me ver.

- Bom, agora você está sendo insensível.

- Só porque não me esforço pra agradar que nem todo mundo? Pois saiba que tenho muito mais amigos que você e não faço nadica de nada para isso, sou eu mesmo, pronto. Você devia experimentar.

- Ah, claro, se eu fosse enorme e poderoso e também...Não pode ser, volta aqui, não me deixa falando sozinho, você é muito preso a esse lance de horário, fica mais um pouco, porra, são só 7 horas da noite, a gente está no horário de verão....

Mas não adiantava implorar, Sérgio sabia. Aquele cara era o astro, o rei, e não estava nem aí. Surgia na mesma hora quase todo dia e ia embora também, seguindo sua rotina quase implacável, pois às vezes nem aparecia.
Talvez ele também devesse ser assim, mais espontâneo, menos condicionado a alegrias programadas, com hora marcada, fazer tudo naturalmente. Vai ver era por isso que o cara não tinha ressaca e vivia feliz. Vai ver era por isso o pessoal ainda batia palmas pra ele. Pensando nisso, andou lentamente e se juntou à multidão que aplaudia mais um pôr do sol.

Gisela Cesario