Amor, Sexo e Comidas.
- Eu amo lasanha.
- Como assim?
- Amando, ué’, eu amo comer lasanha.
Estavam os dois amigos em um daqueles bares que servem comidas no mínimo suspeitas, um deles limpava a boca num guardanapo já pegajoso e elogiava cada garfada da massa fumegante e cheia de queijo.
- Você come a lasanha, você não ama a lasanha. Amar é uma coisa, comer é outra. – Alberto era psicólogo e se orgulhava de, bêbado, fazer análises bizarras. Gustavo odiava esse lado do amigo, mas às vezes não tinha como não achar engraçado.
- Cara, você é ridículo. Isso vale pra mulher, não pras massas.
- Nem sempre, veja bem o meu raciocínio, o que você faz com uma mulher com quem você gosta só de transar?
- Como. Não era isso que você queria ouvir? E como a lasanha também! Alberto, dá um tempo, comer é uma gíria, eu não como literalmente uma mulher, não sou canibal.
- Você diria que está apaixonado por essa lasanha?
- Dentro do possível, sim.
- Dentro do possível, não, toda paixão ou amor tem que ter um quê de impossibilidade, está apaixonado ou não?
- Estou, mas de uma forma geral, não vou leva-la ao cinema nem nada, só come-la.
- Está vendo a semelhança? Eu sei muito bem que comida não é gente.
- Que bom – disse Gustavo com a boca cheia.
- Meu ponto é que sexo é um instinto tanto quanto a fome, a gente faz porque precisa não porque gosta.
- Mas a gente gosta.
- Não, isso não é gostar. É necessidade. Prazer é uma coisa que você obtém quando faz o que gosta embora não precise fazer. Alívio é quando você satisfaz uma necessidade. Comer quando se tem fome proporciona alívio, não prazer.
- Veja bem, Alberto – Gustavo sempre acabava se interessando pelas maluquices do amigo – Alívio seria se eu comesse pão com manteiga e água, eu estou matando a fome com lasanha e a sede com cerveja, isso não é prazer?
- Hum – Alberto ficou pensativo – você concorda que sexo é uma necessidade?
- Concordo.
- Então num caso de extrema necessidade você faria sexo com a mulher mais feia do mundo, estou comparando a mulher mais feia do mundo com pão com manteiga.
- Sacanagem com o pão com manteiga.
- Tá bom, com fome se come qualquer coisa, entendeu?
- Entendi, você quer saber se isso vale pra mulher também, entendi, sei lá, depende da fome, é vale, um moleque de 14 anos pega qualquer coisa.
- Continuando então, se esse moleque ou esse homem pegar um mulher muito bonita e gostosa – uma lasanha, digamos assim- ele estará amando ou continuará só comendo.
- Sei lá, Alberto, talvez o cara se apaixone.
- Então não se apaixonou ainda, já comeu e não se apaixonou, falta o quê?
- Convivência, a mulher pode ser um saco.
- Mas ele comeu com prazer.
- Deve ter comido.
- A mulher estava uma delícia, como a sua lasanha.
- Sei.
- Nem por isso é amor. Ele não satisfez sua necessidade com o básico, qualquer mulher, ele satisfez com um luxo, uma gatona, mesmo assim, continua sendo uma espécie de alívio. A diferença, caro amigo, é que você não precisa amar uma mulher. Sexo é essencial, amor é supérfluo. Amor é um luxo.
- Saquei. Então eu poderia amar essa lasanha se eu estivesse num restaurante bem caro?
- Não seja imbecil. Não é luxo no sentido financeiro, quero dizer que o amor é o que faz uma coisa de que você não precisa se transformar numa coisa de que você precisa.
- Explica melhor – a lasanha tinha acabado e ele já estava acendendo um cigarro.
- É como seu vício de fumar, ninguém nasce com necessidade de cigarro, mas todo mundo nasce com necessidade de comer, significa que a necessidade de cigarro é adquirida assim como a necessidade de uma determinada pessoa, muita gente sustenta que o amor é um vício, uma necessidade inventada na mente e que pode ser tão ou mais prejudicial que o álcool ou o fumo. E o pior. No amor ou no vício, não se tem fim. Por isso dizem que o amor é eterno. Você nunca tem o bastante de quem você ama. Jamais chega o alívio que as necessidades verdadeiras têm. É como se, mesmo sem fome, você continuasse comendo.
- Gula.
- Quê? Você deu essa volta toda pra dizer que sexo é fome e amor, gula.
Alberto ficou meio perdido, depois pegou seu choppe, deu um gole bem grande seguido de uma porrada na mesa e disse.
- É isso, porra, isso mesmo!
- Então vou pedir outra lasanha para você ver o quanto meu amor é sincero.
Gisela Cesario
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