Carolina
Desde que começou a acessar sites de relacionamento ou de encontros ou de namoro ou sei lá, Carolina estava mais estressada. Ela percebia que encontrar um cara de quem gostasse não era uma questão meramente geográfica.
Quer dizer, antes ela achava que só estava sozinha porque conhecia poucas pessoas, convivia com pouca gente, seu universo era limitado. Claro que deveriam existir homens maravilhosos, porém eles estavam simplesmente em outro lugar. Essa foi a idéia que levou Carolina a passar por toda aquela lenga lenga de cadastro, preencher os dados, upload a foto, essas chatices.
Valeria a pena se ela pudesse ter acesso a todos os homens da cidade, no mínimo. Porém, a vida é mais dura e sacana do que Carolina imagina.
Isso porque, agora mesmo, enquanto Carolina está lá fazendo sua busca, olhando novamente perfis que já viu mil vezes, tentando descobrir uma palavra inteligente ou interessante em montes de “adoro curtir o aki e agora” e “me add”, nesse momento que ela considera um hiato ridículo na sua vida interessante, nesse minuto seu ex-namorado está fazendo a mesma coisa.
E o que ele encontra? Claro, a foto dela. Ele não pensa duas vezes, aliás ele não pensa nem uma vez(faz isso com freqüência). Simplesmente, ele clica em chamar pra conversar e, imediatamente, um quadradinho fica piscando na tela de Carolina. Ela se prepara pra clicar em recusar quando acha o cabelo interessante, depois vê os olhos e lhe bate aquela sensação de terror, como se tivesse sido descoberta cometendo o pior dos pecados.
Calmamente, tenta respirar e lembrar que Gustavo não é nem jamais foi seu dono, eles não tem nada um com o outro e ele não tem o direito de lhe dizer o que ela deve fazer.
Ela clica em aceitar decidida a manda-lo para o inferno num vôo da Gol sem barra de cereal, mas percebe a idiotice que fez no momento em que ele digita mais rápido que ela. “Oi, gata, saudade.” Gata? Saudade? Filho de uma...Ela quer xingar, mas seus dedos têm vida própria. “O que vc está fazendo aki?” Ela se odeia, ela se odeia por ter feito essa pergunta idiota e ela se odeia por ter usado aki com k. “Procurando uma namorada.” Bem feito, ela mereceu essa resposta. Respira novamente, chega. “Bom te ver, boa sorte” Isso, agora sim, Carolina no controle, sai infeliz, me deixa em paz, tudo isso de uma maneira delicada. “Queria conversar mais.” Ele sabe ser irritante.
Automaticamente, como se estivesse falando com ele nos velhos tempos, ela responde sem vontade. “Sobre o quê?” Silêncio. Ela bota a mão no mouse pra fechar a josta do quadradinho. “Sobre por quê não deu certo.”
“Não deu certo o que?” Carolina não acreditava. “Nós dois. A gente se gostava. Eu, pelo menos.” “ É, eu também, mas....”
Mas o quê? Por que foi iniciar essa baboseira, como era azarada, encontrar seu ex num site e ainda ficar presa nesse quadrado idiota. “Mas o quê?” Ele perguntou. Já sei, pensou, vou fingir que caiu a conexão.
Num ato desesperado, puxou o computador da tomada. Queria simular uma pane com o maior realismo possível. O escuro tomou conta da tela. Sumiu tudo. Adeus, Gustavo, quadradinho, aki, me add.
Vou sair, pensou, ver gente de verdade, estava a ponto de enlouquecer com aquelas pessoas virtuais. Quando estava se levantando da cadeira, a campainha tocou. Seu coração deu um salto. Ela ia chamar a polícia, Gustavo tinha passado de todos os limites. Certamente, ele estava no cyber do outro lado da rua e resolveu ir até lá quando ela saiu do site. Isso era demais.
Andou decidida, mas com uma ponta de medo até a porta. Podia ser que ele tivesse ficado maluco, podia estar armado ou com uma faca, podia ser que tivesse uma notícia triste para dar a ela, câncer, aids...Gelou com essa possibilidade. Freou a raiva e decidiu abrir a porta polida e civilizadamente - Veja bem, Gustavo, iria dizer, não sou obrigada a ficar conectada com essa máquina assim como não sou obrigada a falar com você, entretanto se você estiver com aids...- Não, era melhor dizer outra coisa. Achou bom abrir de uma vez, ele já tocava a campainha de novo. “Veja bem, Gus..”
Não era o Gustavo! Caceta. Era um estranho, quer dizer, não totalmente estranho, ele tinha uma cara levemente conhecida. “Oi”, ele disse sem graça, “Meu nome é João. Trabalho no cyber aqui em frente”, apontou pra janela. “Sei e daí?”Falou sem pensar, já se arrependendo da grosseria, o coitado não tinha feito nada. “Não, nada não.” Coitado, Carolina pensou de novo.
“É que eu vi você puxando o computador da tomada e imaginei que tivesse com algum problema, eu lido com isso, posso consertar se você quiser.” AH? Era isso. Que legal. Ou melhor. Que abuso. Será? Ou será que seria gentil. Ele não era feio, queria consertar o computador dela, isso era bom, não era? Carolina passou tanto tempo apalermada sem reação olhando o rapaz que ele quase foi embora. De repente, como se tivesse recebido um beliscão, falou. “Desculpa, você foi super gentil, eu pensei que era outra pessoa, pode entrar, o computador ta ali,bom você sabe onde ele está.”
Ele andou calmamente até a máquina e ligou. Ela ficou ao seu lado rezando para que o computador apresentasse algum defeito, o que não seria exatamente incomum, mas, pela primeira vez em sua vida sem cérebro, aquela máquina voltou exatamente ao ponto em que tinha sido desligada.
O quadradinho do Gustavo, para sua infelicidade total, ainda estava lá, perguntando “Carol? Fala comigo”.
O rapaz do cyber baixou a cabeça, ela imaginou que ele sentia vergonha por ela, ótimo, agora a rua inteira ia saber que ela freqüentava aquele site. Ela agarrou o mouse e fechou o quadradinho de Gustavo, assim sem dizer nem tchau e virou pro rapaz do cyber como se o que estivesse na tela fosse a coisa mais corriqueira do mundo. “Acho que tá funcionando, mas obrigada de qualquer forma.” Ele continuou sorrindo. Era bonito mesmo, mas aquele sorriso, ela achava que..., ela olhou pra tela novamente e lá estava a resposta, agora sem quadradinho algum na frente- cyberboy28- clica aki e me add.
Gisela Cesario
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