Sunday, March 27, 2005

Sobrenome

O delegado estava pronto para iniciar o interrogatório. Pedro Alves, o acusado sentado à sua frente, tinha a cabeça baixa e olhar de quem já perdeu a esperança. Estava sendo indiciado por assalto a um supermercado.

A voz grave e estridente do delegado o despertou:
- Nome?
- Pedro Alvez Menesbaldo
- Como?
- Pedro Alvez Menesbaldo
- Menesbaldo?

O escrivão, que estava com pressa de terminar logo aquele interrogatório e ir ao shopping comprar o presente do dia dos namorados, olhou para o delegado sem entender o motivo de tanta pergunta. Imaginou que ele estivesse ficando surdo.

- Ele disse isso mesmo, Doutor Menesbaldo.

Só nesse momento, o próprio escrivão percebeu o que estava acontecendo. O acusado chamava-se menesbaldo e o delegado também. Coincidência dois sujeitos com um nome esquisito daqueles. O Delegado estava abobalhado.

- O senhor não pode se chamar Menesbaldo.
- Não posso porque?
- Porque Menesbaldo sou eu.
- Eu também.
- Não é possível. Não existe outro Menesbaldo. Só meu pai que já morreu.
- Bom, eu não morri e me chamo Menesbaldo desde que nasci.
- Então você é meu parente.
- Talvez. O senhor conhece o Tio Aurélio?
- Não conheço nenhum Aurélio.
- E a Vó Gertudres, a Prima Berta, o Vô Mário?
- Meu Deus, não sei quem é ninguém.

O Escrivão, impaciente, interrompeu.

- Olha não quero atrapalhar, mas que tal se a gente passasse para outras perguntas. Já estamos aqui há 20 minutos e eu só coloquei o nome do Menesbaldo.
- Doutor Menesbaldo, disse o Delegado.
- Não, Doutor, estou falando dele, do outro Menesbaldo.
- E você acha que o Menesbaldo aqui não merece ser chamado de Doutor? Você lá sabe se ele é advogado ou até médico?
- Não, como eu ia saber? O senhor até agora só perguntou o nome dele. E também se eu chamar os dois de Doutor Menesbaldo vou acabar me confundindo.
- Pois você que se dane com a sua confusão, eu sei que eu sou eu e ele sabe que é ele. E eu faço que questão que ele seja chamado de Doutor.
- O senhor tem curso superior, Senhor Menesbaldo?
- Não, Doutor, eu não...
- Tá vendo, Doutor, é só Menesbaldo mesmo, deixa, fica mais fácil.
- Não deixo, vai ser Doutor e pronto, o fato de ele ter ou não curso superior não é relevante para investigação.

Pela Primeira Vez, Pedro Menesbaldo resolveu falar sem ser chamado.
- Olha, eu posso ser chamado de Pedro, ninguém me chama de Menesbaldo, só a minha mãe.
- Qual é o nome da sua mãe?- perguntou o delegado,

O escrivão revirou os olhos, incrédulo.

- Não é possível, Doutor, o senhor está se sentido bem? Para que saber o nome da mãe dele? Vamos logo com essa investigação.
- Olha aqui, eu estou identificando o acusado e você não se meta, está bom?
Pedro, que estava entendendo tanto quanto o escrivão, achou melhor responder logo.

- O nome da minha mãe é Ana Clara Martins.
- Não tem Menesbaldo?
- Não, o Menesbaldo é do meu pai, mas minha mãe não era casada com ela, sabe como é.

O Delegado pareceu pensativo, olhou para o teto, ignorou a impaciência do escrivão e continuou.

- Sua mãe é parecida com você?
- Não, eu acho que eu pareço com meu pai, que eu não conheci, minha mãe é loura de olhos azuis, magra, alta.
- Sei...

O escrivão teve vontade de pedir para ele descrever o cachorro, mas perdeu a coragem de fazer brincadeira diante da feição séria do delegado.

- Senhor Menesbaldo, olha aqui, o senhor está liberado.
- Sério?
- Sim, já tenho minhas conclusões.

O escrivão pensou que o Delegado tivesse pirado de vez.

- Doutor, o senhor tem certeza do que está fazendo? O interrogatório nem começou ainda.
- Pois para mim já acabou, e para você também. Você não estava com pressa? Pois vá logo para o seu shopping que eu tenho um assunto particular a tratar aqui com o acusado, ou melhor, com o Menesbaldo.

O escrivão se levantou, tão confuso quanto aliviado, e saiu da sala pensando que o Delegado devia sair mais, senão tirar umas férias. Depois da porta bater, o Delegado sorriu para Pedro que lhe sorriu de volta. E foi como se os dois estivessem diante de um espelho.

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