sexta-feira, maio 20, 2005

batom

Mirtes entrou no elevador. Era um dia como outro qualquer, ela procurava o batom na bolsa para passar enquanto se olhava no espelho do elevador. Era uma maneira de economizar tempo. Deixar o batom para o elevador. Aí aconteceu a coisa que Mirtes mais odiava. O elevador parou em um andar para pegar alguém. Significava que ela não poderia passar o batom e teria de deixar isso para quando um sinal fechasse no trânsito. Ela olhou de cara feia para porta. Ele entrou. Disse bom-dia. Mirtes não disse nada. Não conseguia falar. Ele era um Deus. Se ela pudesse, ao menos, ter passado o batom. Ele disse: “Hoje vai ser quente”. Ela disse “Como assim?”. Ele disse: “acho que vai fazer uns quarenta graus, este verão está horrível.”. Ela disse “ah, é.”, percebendo o ridículo do seu como assim. Ele também devia ter percebido, ou então não ficaria com aquele sorriso debochado no rosto. Pobre Mirtes, pega despreparada, no elevador, sem batom. E, com aquele cara, aquele cara que ela nunca mais ia encontrar. Aquele cara que não ia pedir seu telefone, que não ia saber nem o andar que ela morava, aquele cara que ia no máximo dizer outro bom-dia quando o maldito elevador chegasse na garagem.

- Você mora em qual andar? – perguntou ele, como se estivesse adivinhando pensamentos.
- Ah? – Mirtes estava sonhando ?
- Qual andar você mora? – era impossível que ela não entendesse a pergunta.
Aí, aconteceu o pior, Mirtes esqueceu o andar que morava de tão nervosa, chutou um número, que depois, mais calma, viu que estava errado.
- Moro no quarto.
- Mas pegou o elevador lá em cima?
- É.

Coitada da Mirtes, faltavam só dois andares para chegar à garagem e ela só disse besteira. O Deus sorriu, imaginando que ela não queria dizer onde morava porque não tinha ido com a cara dele. Saiu do elevador e nem se deu ao trabalho de dizer outro bom-dia, aquela mulher linda não queria nada com ele.
Mirtes ficou parada, quase que a porta fechou sem ela sair. Perdeu outra chance de ser feliz. Mas não foi culpa dela. Que mulher pode ser feliz sem batom?

Gisela Cesario

1 Comments:

At 12:58 PM, Anonymous Anônimo said...

Oi. Cai' pelo Google no seu conto sobre a Mirtes (e o Deus do elevador). Gostoso de ler, meus parabens.

 

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