terça-feira, março 29, 2005

Horóscopo

Ariano

Hoje ao acordar você vai abrir os olhos ( talvez essa previsão já tenha se realizado). Durante o dia estará claro, à noite, no entanto, deve ficar mais escuro. Seu dia será absolutamente igual ao de ontem, com a exceção de dívidas que você tenha contraído e cujo vencimento estejam previstas para essa data. O trânsito estará engarrafado, seu chefe estará mal-humorado, você chegará atrasado. Hoje, aquele colega de trabalho que você detesta estará insuportável e aquela jovem que você olha de vez em quando vai te ignorar. Chega de detalhes, como está escrito no início, seu dia será igual ao de ontem e, já posso adiantar que amanhã será a mesma coisa, ariano.Para mim, entretanto, será diferente. Fui demitida e amanhã não farei mais esse horóscopo. Por isso, já vou te avisando. Se suas previsões de amanhã forem animadoras, não acredite, provavelmente a nova funcionária estará tentando conquistar os leitores. Eu posso te dizer a verdade. Não estou mais preocupada com a sua opinião, nem com a dos leoninos nem com a de nenhum nativo. Ariano, seu dia de amanhã, sua semana, seu mês, serão todos a mesma porcaria, com o perdão da palavra. Aos sábados você vai tomar um porre, aos domingos vai prometer nunca mais beber, promessa que você quebrará no mesmo dia, um pouco mais tarde se der sol e quase imediatamente se estiver chovendo. Nas segundas, você sentirá dor de cabeça, cansaço e uma enorme vontade de desistir. Vai passar quando você vir a conta do seu cartão de crédito. Sua esposa mudará o cabelo você não irá reparar, isso vai gerar uma briga e uma reconciliação. Acredite, esse será o melhor momento do seu mês, talvez do seu ano e quiçá da sua vida. Ah, um último conselho, não tente se matar depois de ler esse horóscopo. Não vai adiantar: segundo os astros, você não morre hoje.

domingo, março 27, 2005

Sobrenome

O delegado estava pronto para iniciar o interrogatório. Pedro Alves, o acusado sentado à sua frente, tinha a cabeça baixa e olhar de quem já perdeu a esperança. Estava sendo indiciado por assalto a um supermercado.

A voz grave e estridente do delegado o despertou:
- Nome?
- Pedro Alvez Menesbaldo
- Como?
- Pedro Alvez Menesbaldo
- Menesbaldo?

O escrivão, que estava com pressa de terminar logo aquele interrogatório e ir ao shopping comprar o presente do dia dos namorados, olhou para o delegado sem entender o motivo de tanta pergunta. Imaginou que ele estivesse ficando surdo.

- Ele disse isso mesmo, Doutor Menesbaldo.

Só nesse momento, o próprio escrivão percebeu o que estava acontecendo. O acusado chamava-se menesbaldo e o delegado também. Coincidência dois sujeitos com um nome esquisito daqueles. O Delegado estava abobalhado.

- O senhor não pode se chamar Menesbaldo.
- Não posso porque?
- Porque Menesbaldo sou eu.
- Eu também.
- Não é possível. Não existe outro Menesbaldo. Só meu pai que já morreu.
- Bom, eu não morri e me chamo Menesbaldo desde que nasci.
- Então você é meu parente.
- Talvez. O senhor conhece o Tio Aurélio?
- Não conheço nenhum Aurélio.
- E a Vó Gertudres, a Prima Berta, o Vô Mário?
- Meu Deus, não sei quem é ninguém.

O Escrivão, impaciente, interrompeu.

- Olha não quero atrapalhar, mas que tal se a gente passasse para outras perguntas. Já estamos aqui há 20 minutos e eu só coloquei o nome do Menesbaldo.
- Doutor Menesbaldo, disse o Delegado.
- Não, Doutor, estou falando dele, do outro Menesbaldo.
- E você acha que o Menesbaldo aqui não merece ser chamado de Doutor? Você lá sabe se ele é advogado ou até médico?
- Não, como eu ia saber? O senhor até agora só perguntou o nome dele. E também se eu chamar os dois de Doutor Menesbaldo vou acabar me confundindo.
- Pois você que se dane com a sua confusão, eu sei que eu sou eu e ele sabe que é ele. E eu faço que questão que ele seja chamado de Doutor.
- O senhor tem curso superior, Senhor Menesbaldo?
- Não, Doutor, eu não...
- Tá vendo, Doutor, é só Menesbaldo mesmo, deixa, fica mais fácil.
- Não deixo, vai ser Doutor e pronto, o fato de ele ter ou não curso superior não é relevante para investigação.

Pela Primeira Vez, Pedro Menesbaldo resolveu falar sem ser chamado.
- Olha, eu posso ser chamado de Pedro, ninguém me chama de Menesbaldo, só a minha mãe.
- Qual é o nome da sua mãe?- perguntou o delegado,

O escrivão revirou os olhos, incrédulo.

- Não é possível, Doutor, o senhor está se sentido bem? Para que saber o nome da mãe dele? Vamos logo com essa investigação.
- Olha aqui, eu estou identificando o acusado e você não se meta, está bom?
Pedro, que estava entendendo tanto quanto o escrivão, achou melhor responder logo.

- O nome da minha mãe é Ana Clara Martins.
- Não tem Menesbaldo?
- Não, o Menesbaldo é do meu pai, mas minha mãe não era casada com ela, sabe como é.

O Delegado pareceu pensativo, olhou para o teto, ignorou a impaciência do escrivão e continuou.

- Sua mãe é parecida com você?
- Não, eu acho que eu pareço com meu pai, que eu não conheci, minha mãe é loura de olhos azuis, magra, alta.
- Sei...

O escrivão teve vontade de pedir para ele descrever o cachorro, mas perdeu a coragem de fazer brincadeira diante da feição séria do delegado.

- Senhor Menesbaldo, olha aqui, o senhor está liberado.
- Sério?
- Sim, já tenho minhas conclusões.

O escrivão pensou que o Delegado tivesse pirado de vez.

- Doutor, o senhor tem certeza do que está fazendo? O interrogatório nem começou ainda.
- Pois para mim já acabou, e para você também. Você não estava com pressa? Pois vá logo para o seu shopping que eu tenho um assunto particular a tratar aqui com o acusado, ou melhor, com o Menesbaldo.

O escrivão se levantou, tão confuso quanto aliviado, e saiu da sala pensando que o Delegado devia sair mais, senão tirar umas férias. Depois da porta bater, o Delegado sorriu para Pedro que lhe sorriu de volta. E foi como se os dois estivessem diante de um espelho.

sábado, março 26, 2005

o menino

Zezinho acordou diferente naquela manhã. Sentia um cansaço enorme, algo incomum para um menino de 8 anos. Sem abrir os olhos, decidiu que não iria ao colégio. Estava se sentindo tão mal que não seria preciso mentir pra sua mãe, devia estar com febre mesmo.
Como precisava ir ao banheiro, foi obrigado a levantar e enquanto passava pelo corredor ouviu uma voz de mulher que não era a da sua mãe.
- Não vai trabalhar hoje? É feriado?
Não olhou para trás, achou que devia ser da televisão, rádio, qualquer coisa assim. No banheiro, estranhou alguns objetos: pílulas, muitas pílulas, giletes, maquiagem, cremes, sua mãe não usava aquelas coisas, ele também não. Seu rosto no espelho não estava diferente dos outros dias. O mesmo cabelo espetado, as mesmas bochechas redondas, os olhos pequenos ao acordar, será que a sua mãe ia acreditar que ele estava com febre? Pensou que não estava se sentindo mais tão mal e ir à escola afinal não era tão ruim assim, ele tinha muitos amigos.
Saiu do banheiro se sentindo mais animado e foi procurar seu café que já devia estar pronto. Ao chegar na cozinha tomou um susto enorme. Uma mulher que ele nunca vira na vida estava sentada, de camisola, com uma xícara na mão e um jornal na outra. Ela estava muito à vontade e nem teria notado a presença dele não fosse pelo grito.
- Ai! Que susto! Quem é a senhora?
- Engraçado, bom dia, não vai trabalhar?
- Desculpa, moça, mas quem é a senhora?
- José Carlos, pára com essa idiotice, dormi super mal, tô com dor de cabeça, não tô com paciência pra brincadeira. Não vai dizer que logo hoje, no dia de pegar o adiantamento do dinheiro com seu chefe, você vai querer chegar atrasado.
- Meu chefe?
- É, lembra dele? Aquele cara que paga o seu salário para gente viver.
- Salário?
Zezinho não fazia a menor idéia do que aquela mulher estava falando. A sua cozinha também estava muito esquisita, toda desarrumada. E onde estava sua mãe?

- Eu quero a minha mãe... – E começou a fazer beicinho para chorar.

A mulher levantou da cadeira e o abraçou. A sensação era estranha. Estranha e boa. Os cabelos dela estavam molhados e cheiravam a uma coisa gostosa.

- Calma, amor, vai dar tudo certo. Se você pegar o dinheiro hoje, a gente paga a primeira parcela do empréstimo e o banco deixa a gente em paz.

Ele estava tão inebriado com aquele abraço que nem se deu ao trabalho de responder. Preferiu continuar afundado naqueles cabelos cheirosos. Iria continuar assim se o telefone não tivesse tocado. Ela o soltou tão bruscamente que ele quase caiu. Ela atendeu correndo, como se já soubesse quem ligava. O telefone também não era o seu, parecia um treco de brinquedo, não tinha fio, nem disco, aquilo não podia ser um telefone. Aquela mulher devia ser maluca, pensou.

- Alô – disse ela, numa voz estridente.- Oi, Seu Ari, o Zé Carlos tá aqui, ele se atrasou um pouquinho mas já está indo. O quê? O senhor quer falar com ele?
Tapou um pedaço do brinquedo com mão e falou só mexendo a boca, sem voz.

- ELE QUER FALAR COM VOCÊ- disse isso, apontando na direção de Zezinho, que pegou o telefone, desnorteado.
- Alô – disse o menino.
- Porra, Zé, tá dormindo? Os caras já chegaram. Eles querem falar contigo. Se você não estiver aqui em 20 minutos não sei não.
- Porra? O senhor disse porra?
- Caralho, Zé!
Zezinho emitiu um grunhido e bateu o telefone assustado. Que homem grosso! Se a sua mãe soubesse! Mania dessa gente ficar ligando e dizendo palavrão.

- Você bateu o telefone na cara do seu Ari? – perguntou a mulher.
- Não conheço nenhum Seu Ari, era trote. Daqueles que as pessoas ligam e ficam dizendo palavrões.
- José Carlos, você enlouqueceu! Você pirou!- a mulher começou a gritar loucamente. Gritava e quebrava as louças, primeiro foi a xícara, depois o prato, e também xingava palavrões.

Zezinho achou melhor sair correndo dali. Ao entrar no elevador, que também estava diferente, viu um menino que o cumprimentou assim.

- Bom dia, seu Zé.

Ele riu. Era brincadeira, claro. Mas quem era aquele menino? Seria da escola?
- Oi, você tá na minha sala?
- Não, seu Zé, tô aqui no elevador – respondeu o menino com uma cara de quem conversa com um esclerosado.

Saíram na portaria e o porteiro correu para ele.

- Seu Zé, se esconde, o moço do banco tá aí, eu já disse que o senhor e a patroa tinham saído, se esconde, seu Zé.

Patroa, Chefe, Seu Zé, que diabo estava acontecendo? Ele achou melhor não desobedecer aquele cara, era um nordestino forte, bigodudo, do tipo com quem não se puxa briga. Ele se deixou ser levado para uma porta que dava para escada.

- Pronto, sai pela garagem, assim o senhor escapa hoje!

Olhando a garagem, Zezinho não acreditou no que via. Que carros! Aquilo era mais incrível que qualquer sonho. Faróis redondos, cores metálicas, rodas brilhantes, quatro portas! Finalmente alguma coisa legal nesse dia tão esquisito. Rapidamente ele esqueceu do porteiro que já subia a escada. Em seguida, abriu um sorriso enorme. Não, hoje ele não ia à escola. Ia passar o dia naquele parque de diversões. Nenhum dos seus amigos ia acreditar quando ele contasse. Do outro lado da garagem, viu a picape mais linda do mundo. Parecia que a cabine tinha sido esticada e ela estava cheia de adesivos. Foi atravessando a garagem enquanto reparava nos detalhes do carro e nem viu quando um outro carro, que tinha acabado de subir a rampa, veio em sua direção. O motorista não teve tempo de frear. Quando conseguiu, Zezinho já estava em baixo do carro. A imagem da picape sumiu rapidamente dos olhos do menino. Enxergando somente a escuridão, ele ainda conseguiu escutar o grito desesperado do motorista.

- Meu Deus, matei uma criança!