domingo, novembro 29, 2009

Respostas

Domingo em São Paulo. Poucas opções além da mega livraria. Entram sem pensar se realmente estão a fim de ler alguma coisa. Não tem mais o que falar. Já almoçaram juntas, já contaram casos dos casos, já estão até com vontade de ir pra casa, talvez ver Silvio santos, rolentrando....mas o programa não pode acabar tão cedo, fica chato, na rua faz um calor insano. Entrar na livraria é uma questão de sobrevivência, o ar condicionado se torna uma necessidade, quem disse o Brasil não tem leitores?
- Você acha que ele me acha velha pra ele? – pergunta Daniela, pouco se importando com a resposta.

- Cara, muito velha – diz o homem olhando a cara de uma autora na capa de um livro famoso.

Daniela se vira. O homem continua, o papo é com o amigo ao lado.
- Porra, será que a gente tá velho assim?

- Mas é óbvio, isso é tão obvio – quem responde são dois gordos um pouco mais ao longe, ou melhor, ao perto, examinado um livro de culinária.
- Imagine, ensinar um refogado, esse livro é ridículo ou ridículo sou eu?

- Você, sempre você – se volta a menina pro namorado – será que é só em você que você consegue pensar? Eu não existo. Eu não sou porra nenhuma, alguma outra coisa além de você é importante?

- Por favor, é muito importante pra mim, mãe, compra – pedia uma adolescente.
- Por quê, é sobre o quê ?– responde a mãe.

- Putaria, né? - Diz uma branquela com cara de que não dormiu bem ou não dormiu mesmo ontem. - Tem outro assunto sobre que esse cara fale?
- Mas putaria em que sentido? – pergunta a companheira meio alienada.

- Não faz sentido, entende – explica o vendedor a um vestibulando- o melhor é isso, num livro de poesias o sentido não importa. Você não tem de sentir, entender é parede, você tem de ser uma árvore
- Ah – diz o jovem que vai fazer vestibular- ele não fala, mas pensa – viado, com certeza, pra que fui perguntar isso prum viado?

- Olha, todos os homens são viados, - comentam as duas amigas do início- só que uns mais e outros menos.

O moleque se vira, mas pensa que elas são velhas demais pra ele. Elas continuam.
- Ele deve ser homofóbico.

- Que signfica homofóbico? – pergunta o adolescente ao vendedor que revira os olhos

- Sabe quando o cara é um babaca? - Um casal ao lado comenta. - Mas um babaca mesmo, do tipo que tem cara de babaca, jeito de babaca, o cara é um otário.
- Calma, responde a mulher, ter raiva do seu chefe não adianta nada, a raiva faz mal pra quem tem, eu, por exemplo, tenho raiva de que?

- De cabelo liso - fala uma menina olhando as revistas. - Como eu odeio quem tem cabelo liso assim, com essa cara de japonesa.
- Puta, nem fala, e essas magrelas então, nem fala, será que elas não comem, não têm fome?

- Só sinto vontade de beber - diz um cara magrelo no canto dos cds pra uma amiga magrela também.
- Eu queria era fumar um cigarro, responde ela.
- Vamos sair daqui.

- Você não vê que não tem saída – fala um coroa pro outro – Tenho que terminar esse casamento.

- Isso não tem fim – fala a mãe – Esse harry potter lança um livro atrás do outro, eu não vou parar de gastar dinheiro nunca.

Do lado de fora, um camelô comenta com o outro.
- O que tanta gente faz aí dentro? Só pode ser o calor.
- Você é um cara burro, né, sabe ler? Eles entram aí pra comprá livro.

-Pois pra mim, eles não querem nada com nada – Mas quem disse isso não foi o camelô, foi a mulher do início, já indo embora. - Os homens não querem nada com nada, melhor sair dessa livraria e ir pra casa.

Ao entrarem no táxi, ainda viram a propaganda de uma revista de decoração. “Quem casa quer casa?”
Gisela Cesario

sexta-feira, novembro 20, 2009

Leis Secas

Você sabia que beber já foi permitido? Não sacaneia. Estamos em 2022, o ano do fim do mundo, e dois meio bêbados, num beco sujo de um subúrbio da cidade, tomam uma cerveja e conversam. Nisso, um terceiro intervém. Isso faz tanto tempo, o cara vai achar que você tá mentindo. O jovem mais ou menos bêbado olhou para o velho mais pra menos bêbado. Juro, garantiu o velho, a gente sentava numa cadeira de um bar, bebia, fumava e ainda sai dirigindo.E como sobreviviam? Perguntou o jovem. Quer dizer, é impossível, não é? Pois se você fuma, você morre e se você dirige depois de beber é óbvio que vai matar alguém.O velho deu um sorriso meio dolorido antes de continuar. Meu filho, você já parou para pensar? Como assim? Parar para pensar, quer dizer, você pode pensar andando, fazendo mil coisas, mas, teoricamente, parado você se concentra melhor, você, meu filho, já parou pra pensar como esse mundo cheio de proibições em que a gente vive faz pouco sentido. Não estou entendendo, o jovem até tinha ficado careta, pra usar um termo de velho. O velho respirou fundo e foi em frente. Olha, o fumo faz mal à saúde, também cresci lendo isso nos cartazes, bebida e direção não combinam, mas pra que fizeram o ser humano com um cérebro, pra que nos deram o poder de discernimento, a responsabilidade, o auto-controle, essas coisas todas? Auto-controle? Meu carro não tem isso. Não, moleque, não tô falando de auto no sentido de automóvel, tô falando de auto no sentido de você mesmo, de você ser responsável pelo que faz, pelos seus atos, ser capaz de se controlar. Já vivi numa época em que não era proibido poder fazer algo errado, era preciso realmente fazer ou pelo menos, ter quase certeza que se ia fazer. A gente devia ter sido punido, quando erramos, devia ter alguém pra nos punir, mas nunca houve. E de repente, quando menos esperávamos, chegou alguém pra nos punir antes de errarmos. Não estou entendendo nada, só acho certo ser proibido beber, o cara fica meio maluco, olha você, por exemplo. Escuta - o velho puxou fundo o ar novamente – vou explicar melhor. Cabe a você, ou melhor, devia caber a você, saber se devia beber ou fumar ou não. Você é adulto, pode ler, entrar em milhares de sites, se informar, você devia ser responsável pela sua vida e, caso você ameace outras vidas, você devia ser responsável por elas. Sacanagem é termos de estar aqui nesse beco sujo e nojento, só pra beber duas cervejas e fumar um cigarro. O jovem coçou a cabeça. Depois desatou a rir. Cara, cara, cara, tu tá muito doido..... Sabe o que isso parece, parece o big brother..aí,se tiver uma câmera me filmando eu quero que a Ivana saiba que eu não comi ninguém depois dela, mas antes hahahhhaha. ....Cala a boca, otário – acabava de chegar um amigo, alguém que estava sempre no beco, ele trazia um saco meio molhado. Olha só o que tenho, é da boa, alguém vai? Todos olharam com cara pensativa, menos o velho, que saiu pegando, afinal, que porra, eram só batatas fritas. Caralho, meu irmão, onde tu conseguiu isso? Perguntou o jovem, olhando de forma invejosa pro velho que mastigava alegremente. Ah, mano, eu tenho minhas fontes, vai ou não, cinco na minha mão. Vou não, disse o jovem, gordura trans é droga muito pesada, dá onda ruim, tenho amigos que já foram e cara, teve um brother meu que, cara, o cara ficou tipo gordo, entendeu? Nojento. Você sabe que a coisa mais importante que temos é nosso corpo, né? Pois, é, o cara, pô, desculpa as mina que tiverem ouvindo, mas o cara criou barriga. Isso mesmo. Barriga. Irmão, só pode ter sido essa parada de gordura trans, mas beleza, pode consumir, sei que aqui no beco rola de tudo, eu tô ligado pra não ter preconceito com nada. Quer fazer, faz. Nisso, o velho se intrometeu. Você sabia que eu já dirigi depois de beber, comer batata frita e ainda fumando um cigarro? Risada geral. Ih, olha o coroa, tá viajando nas trevas....O velho ficou puto, ou melhor, com raiva, deu uma porrada na parede suja do beco. Calma, mano, faz barulho não. Vocês são uns idiotas, de quê adianta esse corpo, essa saúde, se o cérebro de vocês não funciona? Mens sana in corpore sano. É o quê, coroa? Fala brasileiro. Disse que o corpo em forma funciona se for pra servir a uma mente que funcione, fora isso, é um animal. Porra, aí, agora o coroa falou, disse o trafica de batata, a batata aqui tá animal!!!Não, imbecil, disse o velho, mastigando a batata e tomando mais um gole. Vocês não são animais porque bebem ou porque fumam ou porque comem batata frita, vocês são animais simplesmente porque não pensam, porque se acham incapazes de decidir por vocês mesmos se o lugar é adequado, se já beberam o suficiente ou se devem ou não comer mais uma batata, sacaram? O que é sacar? Perguntou o trafica. Sacar é entender, respondeu, com pena, o velho. É o que tô tentando dizer desde o início, deviam deixar a gente decidir o que faz mal, o que é errado e o que não é , punir quem faz o mal, não quem simplesmente pode um dia, talvez, por alguma circunstância, quem sabe, fazer o mal... Tô entendendo cada vez menos, disse o jovem, larga essa gordura trans, coroa. Aí, vou ser o mais claro possível – disse o velho: eu sei o que faço, não sou moleque – disse isso olhando pra cara alienada do jovem – sei beber, sei fumar, sei comer batata frita, sei dirigir. E se um dia errar nesse julgamento, sei que mereço ser punido. Nisso todos começaram a rir, ninguém podia saber tanto...estava na lei, a lei que dizia que ninguém sabia de coisa alguma até que fosse oficialmente comprovado, porra, o coroa não tinha visto na TV? Essa lei não diz isso, falou o coroa, eu li essa porra. Você o quê? Fazia séculos, ou seriam só anos, que ninguém lia, só via a TV, imagina então ler uma lei...Peraí, vai aonde assim, doidão de batata frita? O coroa saiu do beco, apenas andando, sem batata, sem cerveja, sem carro, sem bicicleta, mas com a certeza que já estava velho,velho demais pra aquele mundo.
Gisela Cesario