sábado, abril 14, 2007

Eulália e o paraíso

A primeira visão que teve foi de São Pedro, o conhecido guardião do céu. Santo que, quando não estava intercendo por seus fiéis assumia suas funções burocráticas de fiscalizar os portões do paraíso.
Prancheta na mão, olhou não sem bondade a moça que vinha aguarrada à sua bolsa, como se no céu, os bens mateiriais pudessem ter alguma importância.
O santo pigarreou:
- Nome?
- Ah?
- Nome?
- Eulália
- Eulália do quê?
- Eulália Garcia Alves, disse, sem disfarçar um certo orgulho.
- Família Rica?

Percebendo o furo, mudou de estratégia.

- Sim, mas sempre fomos muito preocupados com o bem estar social, sou, quer dizer, era, até voluntária, uma vez por ano comprava uma boneca para uma criança necessitada.
- Ah...Deve ter feito uma diferença...
- Olha,se todo mundo fizesse a mesma coisa.
- Tá bom, sou o porteiro do céu, isso aqui ainda não é o juízo final. Seu nome está na lista, pode entrar.
- Jura?
- Claro, olha aqui, Eulália Garcia Alvez.

Eulália viu o erro de ortografia e titubeou ante a verdade e o que poderia ser a passagem para o inferno. Mas não era hora de ter medo. Já tinha morrido mesmo.


- Não sou eu.
- Quê? – São Pedro balançava suas chaves aturdido.
- Está errado, meu sobrenome se escreve com s e não Z.

São Pedro deu uma gargalhada sonora, daquelas que só um santo dá, e até as nuvens balançam e disse.

- Que bobagem, claro que é você, o anjo deve ter escrito errado, esse menino passa o dia interio na internet, esqueceu como se escreve.
- Mas e se não for eu? E se a Eulália Garcia Alvez estiver no inferno agora por culpa minha ou do anjo ou sei lá.
- Impossível minha filha – respondeu o santo já sem muita paciência – a probabibilidade de ter morrido outra Eulália Garcia no mesmo dia que você é quase nula.
- Quase...

São Pedro guardou as chaves no bolso e olhou com espanto.

- Não quer entrar?
- Será que eu não podia ir até o portão do inferno ver se meu nome não está lá?
- Veja bem, minha filha, isso aqui não é uma lista de boate. Depois de entrar, a senhora vai passar aqui toda a eternidade. Vai por mim, a eternidade é um tempão.
- Quer dizer que se eu for pro inferno...
- Eu agradeço se a senhora não pronunciar mais esse nome aqui.
- Diabos!
- Esse também não.
- Mas o senhor precisa entender, eu não sei se mereço ir pro céu.

O santo suspirou e puxou uma nuvem macia pra se sentar.A conversa ia ser longa.

- Vamos lá. A senhora se considera uma boa pessoa?
- Não sei, eu ajudo quando posso, mas me sinto culpada a maioria das vezes, não posso dar esmola todo dia pra todo mundo.
- Se isso acontecesse...
- Se isso acontecesse eu ia, ia..
- Ficar pobre?
- Não.
- Passar fome?
- Ser pendurada na cruz que nem Jesus?
- Claro que não! Mas é que às vezes eu tenho só uma nota de 50 reais e não posso dar uma nota de 50 reais.
- Motivo?
- É muito!
- Pra quem? Pra o mendigo ou pra senhora que saca 50 reais no caixa eletrônico toda hora?
- O senhor acha que isso é motivo pra eu ir pro inferno?
- Sei lá, avareza...
- Pensei que o senhor quisesse ajudar.
- Pois é, falando em ajudar, a senhora ajudou alguém em vida?
- Claro!

Agora Eulália estava radiante, havia participado de milhares de bingos, bazares beneficente, comido toneladas de mac lanches felizes.

- Isso não vale – advinhou São Pedro.
- Como o senhor sabe o que eu ia dizer?
- Vamos dizer que eu tenho intuição de santo.
- Mas eu tentei ajudar, todas as vezes, eu tentei, só não sabia o que fazer, a gente na terra só se preocupa em ganhar a vida, passar férias viajando, esmola, ajuda, é o de menos, me desculpa dizer isso, mas muitas vezes desejei que os mendigos não existissem, não foi por maldade, mas eu não sabia o que fazer com eles. O governo é que devia ajudar.
- E a senhora?
- Eu?
- É, a senhora, que está aqui, na porta do céu, não devia tentar ajudar?
- Mas o governo...
- Quem manda na sua vida? Deus ou o Governador?

Eulália baixou a cabeça.

- Deus.
- Deus ou o presidente?
- Deus.
- Deus ou o seu patrão?

Eulália pareceu pensar um pouco, mas respondeu.

- É Deus.

São Pedro levantou da nuvem, girou as chaves, olhou pra Eulália e finalmente disparou.

- Vá até ali, é a porta do inferno, veja se seu nome está lá. Depois a gente conversa, ou, como diria Caetano Veloso. Ou não. Há, há...

Balançando a barriga de tanto rir da prória piada, São Pedro observou o caminhar lento e resignado de Eulália, enquanto isso assobiava “e que tudo mais vá pro inferno..”’

Eulália chegou temerosa, passos curtos e vacialntes, ouviam-se gritos e a temperatura fazia a rio branco no verão parecer uma estação de esqui.

- Eulália, gritou para o jovem diabinho porteiro.
- O quê? – ele estava com o walk man ou walk devil no ouvido e não tinha entendio.
- Falar com quem?
- Ah, diabo...
- Lamento, mas ele está em reunião. Posso ajudar?
- Queria ver se meu nome está aí?
- A senhor não acabou de vir do céu?
- Vim.
- Então já pode ir entrando, se seu nome não está lá, está aqui, o purgatório já era, acabou a verba pra manter aquele lugar cheio de almas penadas.
- Meu nome está lá, mas é que...
- É que a senhora é doida né? Tá com nome no céu, veio fazer o quê no inferno?
- Meu nome não está escrito certo, tenho medo de estar cometendo uma injustiça.
- Xispa!
- Quê?
- Uma pessoa como a senhora que se arrisca a passar a vida inteira, ou melhor, a eternidade toda no inferno, só porque quer ser justa, não pode entrar aqui.
- Mas...
- Nem mas, nem meio mas,pode voltar lá pro céu que é seu lugar.
- Mas as esmolas, a ajuda que eu não dei, São Pedro falou...
- Concordo com ele. A senhora é pão-dura, mas de lá até o inferno é uma grande distância.

Dito isso, o diabinho começou a gargalhar, uma gargalhada que, de alguma forma, nos ouvidos de Eulália,se assemelhava a de São Pedro.
Voltou decidida.

- Vou pro paraíso!
- Parabéns- São Pedro ria um riso maroto enquanto lhe abria as portas do lugar onde a paz reinava e a maldade não exisita.
-
Eulália já ia entrar mas se deteve e sorriu, virando-se para o santo.

- o Senhor fez de próposito.
- EUUUU???
- Tá pensando que não vi? As asas dele escondidas atrás daquela fantasia de diabo? Aquele não é diabo nem aqui nem no inferno
- A senhora está muito agressiva pra quem quer entrar no céu.

São Pedro poderia ter ficado possesso com a ousadia de Eulália, poderia tê-la realmente mandando ao inferno. Ao invés disso, abriu as portas do paraíso e , com a calma com que só um Santo sabe falar, disse:

- Eulália, minha filha. Aquele diabinho que você acabou de ver, aquele com asas de anjo, mesmo que estivessem escondidas...Ele não é o único. Você sabe disso? Não é?

Eulália sabia. Ela não precisou responder, ela já tinha entrado no paraíso e já sabia a resposta para todas as perguntas.

Gisela Cesario

Eulália e o paraíso

A primeira visão que teve foi de São Pedro, o conhecido guardião do céu. Santo que, quando não estava intercendo por seus fiéis assumia suas funções burocráticas de fiscalizar os portões do paraíso.
Prancheta na mão, olhou não sem bondade a moça que vinha aguarrada à sua bolsa, como se no céu, os bens mateiriais pudessem ter alguma importância.
O santo pigarreou:
- Nome?
- Ah?
- Nome?
- Eulália
- Eulália do quê?
- Eulália Garcia Alves, disse, sem disfarçar um certo orgulho.
- Família Rica?

Percebendo o furo, mudou de estratégia.

- Sim, mas sempre fomos muito preocupados com o bem estar social, sou, quer dizer, era, até voluntária, uma vez por ano comprava uma boneca para uma criança necessitada.
- Ah...Deve ter feito uma diferença...
- Olha,se todo mundo fizesse a mesma coisa.
- Tá bom, sou o porteiro do céu, isso aqui ainda não é o juízo final. Seu nome está na lista, pode entrar.
- Jura?
- Claro, olha aqui, Eulália Garcia Alvez.

Eulália viu o erro de ortografia e titubeou ante a verdade e o que poderia ser a passagem para o inferno. Mas não era hora de ter medo. Já tinha morrido mesmo.


- Não sou eu.
- Quê? – São Pedro balançava suas chaves aturdido.
- Está errado, meu sobrenome se escreve com s e não Z.

São Pedro deu uma gargalhada sonora, daquelas que só um santo dá, e até as nuvens balançam e disse.

- Que bobagem, claro que é você, o anjo deve ter escrito errado, esse menino passa o dia interio na internet, esqueceu como se escreve.
- Mas e se não for eu? E se a Eulália Garcia Alvez estiver no inferno agora por culpa minha ou do anjo ou sei lá.
- Impossível minha filha – respondeu o santo já sem muita paciência – a probabibilidade de ter morrido outra Eulália Garcia no mesmo dia que você é quase nula.
- Quase...

São Pedro guardou as chaves no bolso e olhou com espanto.

- Não quer entrar?
- Será que eu não podia ir até o portão do inferno ver se meu nome não está lá?
- Veja bem, minha filha, isso aqui não é uma lista de boate. Depois de entrar, a senhora vai passar aqui toda a eternidade. Vai por mim, a eternidade é um tempão.
- Quer dizer que se eu for pro inferno...
- Eu agradeço se a senhora não pronunciar mais esse nome aqui.
- Diabos!
- Esse também não.
- Mas o senhor precisa entender, eu não sei se mereço ir pro céu.

O santo suspirou e puxou uma nuvem macia pra se sentar.A conversa ia ser longa.

- Vamos lá. A senhora se considera uma boa pessoa?
- Não sei, eu ajudo quando posso, mas me sinto culpada a maioria das vezes, não posso dar esmola todo dia pra todo mundo.
- Se isso acontecesse...
- Se isso acontecesse eu ia, ia..
- Ficar pobre?
- Não.
- Passar fome?
- Ser pendurada na cruz que nem Jesus?
- Claro que não! Mas é que às vezes eu tenho só uma nota de 50 reais e não posso dar uma nota de 50 reais.
- Motivo?
- É muito!
- Pra quem? Pra o mendigo ou pra senhora que saca 50 reais no caixa eletrônico toda hora?
- O senhor acha que isso é motivo pra eu ir pro inferno?
- Sei lá, avareza...
- Pensei que o senhor quisesse ajudar.
- Pois é, falando em ajudar, a senhora ajudou alguém em vida?
- Claro!

Agora Eulália estava radiante, havia participado de milhares de bingos, bazares beneficente, comido toneladas de mac lanches felizes.

- Isso não vale – advinhou São Pedro.
- Como o senhor sabe o que eu ia dizer?
- Vamos dizer que eu tenho intuição de santo.
- Mas eu tentei ajudar, todas as vezes, eu tentei, só não sabia o que fazer, a gente na terra só se preocupa em ganhar a vida, passar férias viajando, esmola, ajuda, é o de menos, me desculpa dizer isso, mas muitas vezes desejei que os mendigos não existissem, não foi por maldade, mas eu não sabia o que fazer com eles. O governo é que devia ajudar.
- E a senhora?
- Eu?
- É, a senhora, que está aqui, na porta do céu, não devia tentar ajudar?
- Mas o governo...
- Quem manda na sua vida? Deus ou o Governador?

Eulália baixou a cabeça.

- Deus.
- Deus ou o presidente?
- Deus.
- Deus ou o seu patrão?

Eulália pareceu pensar um pouco, mas respondeu.

- É Deus.

São Pedro levantou da nuvem, girou as chaves, olhou pra Eulália e finalmente disparou.

- Vá até ali, é a porta do inferno, veja se seu nome está lá. Depois a gente conversa, ou, como diria Caetano Veloso. Ou não. Há, há...

Balançando a barriga de tanto rir da prória piada, São Pedro observou o caminhar lento e resignado de Eulália, enquanto isso assobiava “e que tudo mais vá pro inferno..”’

Eulália chegou temerosa, passos curtos e vacialntes, ouviam-se gritos e a temperatura fazia a rio branco no verão parecer uma estação de esqui.

- Eulália, gritou para o jovem diabinho porteiro.
- O quê? – ele estava com o walk man ou walk devil no ouvido e não tinha entendio.
- Falar com quem?
- Ah, diabo...
- Lamento, mas ele está em reunião. Posso ajudar?
- Queria ver se meu nome está aí?
- A senhor não acabou de vir do céu?
- Vim.
- Então já pode ir entrando, se seu nome não está lá, está aqui, o purgatório já era, acabou a verba pra manter aquele lugar cheio de almas penadas.
- Meu nome está lá, mas é que...
- É que a senhora é doida né? Tá com nome no céu, veio fazer o quê no inferno?
- Meu nome não está escrito certo, tenho medo de estar cometendo uma injustiça.
- Xispa!
- Quê?
- Uma pessoa como a senhora que se arrisca a passar a vida inteira, ou melhor, a eternidade toda no inferno, só porque quer ser justa, não pode entrar aqui.
- Mas...
- Nem mas, nem meio mas,pode voltar lá pro céu que é seu lugar.
- Mas as esmolas, a ajuda que eu não dei, São Pedro falou...
- Concordo com ele. A senhora é pão-dura, mas de lá até o inferno é uma grande distância.

Dito isso, o diabinho começou a gargalhar, uma gargalhada que, de alguma forma, nos ouvidos de Eulália,se assemelhava a de São Pedro.
Voltou decidida.

- Vou pro paraíso!
- Parabéns- São Pedro ria um riso maroto enquanto lhe abria as portas do lugar onde a paz reinava e a maldade não exisita.
-
Eulália já ia entrar mas se deteve e sorriu, virando-se para o santo.

- o Senhor fez de próposito.
- EUUUU???
- Tá pensando que não vi? As asas dele escondidas atrás daquela fantasia de diabo? Aquele não é diabo nem aqui nem no inferno
- A senhora está muito agressiva pra quem quer entrar no céu.

São Pedro poderia ter ficado possesso com a ousadia de Eulália, poderia tê-la realmente mandando ao inferno. Ao invés disso, abriu as portas do paraíso e , com a calma com que só um Santo sabe falar, disse:

- Eulália, minha filha. Aquele diabinho que você acabou de ver, aquele com asas de anjo, mesmo que estivessem escondidas...Ele não é o único. Você sabe disso? Não é?

Eulália sabia. Ela não precisou responder, ela já tinha entrado no paraíso e já sabia a resposta para todas as perguntas.

Gisela Cesario