Engano
O primeiro toque lhe deu um susto. Apesar de estar ansiosa por aquele telefonema, já havia desistido de esperar. O telefone parecia um animal morto que jamais emitiria som algum. E no entanto tocou. Tão alto que a fez quase saltar da poltrona. TRRRRIMMMMM... Era um telefone velho. Daqueles com disco de rodar e gancho, daqueles que se pode tirar do gancho para não ser incomodado. Estamos em 1980 mais ou menos. A mulher está de polainas, assistindo “dancing days” no vale a pena ver de novo da Globo. Pronto, aí o telefone toca. Aquele TRRIMMMM anos 80. Aquele barulho assusta mesmo. Principalmente a Lúcia, que se concentrou totalmente na novela para esquecer que estava esperando um telefonema. Seu instinto inicial foi atender logo para fazer aquele bicho calar a boca, como quando se dá um tapa num despertador. Mas depois se recompôs. Achou melhor se fazer de difícil. Ficou saboreando a vingança, vendo a geringonça se esgoelar em TRRIMMS antes de atender. Será que é ele? Pensou no primeiro toque. Deve ser. Pensou no segundo. Tem que ser. Pensou no terceiro. É ele, vou fingir que não estou nem aí. Pensou no quarto. Finalmente, decidiu atender, calmamente, com aquela falsa indiferença das mulheres que sempre recebem telefonemas.
- Alô?
- Teresa? Chama o Alaor, rápido.
- Quem? – Lúcia se deixou cair no sofá e começou a tirar as polainas com ódio. Era engano, lógico.
- O Alaor, preciso falar com ele urgente.
- Não tem nenhum Alaor aqui – suspirou, chateada.
- Teresa, não tenho tempo para brincadeiras, que voz é essa, mulher?
- Eu não me chamo Teresa, moço, o senhor ligou errado – disse, já começando a ficar irritada com aquele cara convencido.
- Ah, é? Da onde fala então? – perguntou debochado.
- Não preciso dizer o número ( Havia, nessa época, não sei se ainda há, um horror nas pessoas em dizerem o número da própria casa, perguntava-se “de onde fala” e a pessoa respondia “quer falar com quem”) Não é da casa da Teresa nem do Alaor. – falou como uma velha rabugenta.
- Teresinha, meu amor, me desculpe aquele dia, mas eu não mereço isso, sei que é você, sua voz está rouca por causa da chuva, não é? Me perdoe, mas não deu para ir ao nosso encontro.
- O senhor está doido? Eu não estou rouca e não me chamo Teresa!– Lúcia quando ficava com raiva soava esganiçada, meio rouca mesmo.
- Não me chame de senhor, Tê Tê. Isso eu não agüento. Não foi culpa minha. Fiquei preso com aqueles executivos japoneses, pergunte ao Alaor.
- Vou repetir. Não conheço nenhum Alaor.
- Está chateada com o pobre do Alaor também? Ele não teve nada a ver com isso. Uma irmã não deve brigar com o irmão.
- Não tenho irmão – respondeu Lúcia, já até com vontade de chorar de desespero.
- Não diga isso. Não diga isso nunca! A família é a coisa mais importante na vida de uma pessoa, os filhos, os irmãos, a esposa. Um dia, Tê Tê, vamos ter a nossa família e você verá como será.
- Ah....- Lúcia soou meio desnorteada.
- Um dia – continuo o homem, galanteador – vamos nos casar na igreja da Glória, como você sempre sonhou. Com a música que você escolher. E a festa será regada a champanhe, muito champanhe, como você gosta!
- Realmente, gosto de champanhe – disse sem pensar.
- Eu sei, amorzinho, sei tudo que você quer. Vou deixar você escolher meu smoking, usarei cravo na lapela, se você desejar, depois vamos passar a lua de mel em Bariloche, vestidos como esquimós, esquiaremos de dia e passaremos as noites fazendo amor enlouquecidamente em frente à lareira.
- Há, Há, Há – Lúcia riu, mas de satisfação que de achar graça mesmo.
- Não ria assim, Tê Tê, que você me deixa maluco. Diga que me perdoa, só isso que preciso ouvir. Diga e vou para aí agora mesmo, beijar essa boca da qual tenho tantas saudades.
- Dizer que te perdôo?
- Sim, um simples tudo bem, um aceito, quero casar com você, te fazer feliz para vida inteira, você aceita?
Lúcia pensou, pensou...Naquele momento não era mais Lúcia. Já estava se vendo vestida de noiva, cabelos num coque alto, bebendo champanhe ou então numa enorme loja de griffe, comprando lingerie cara para usar em frente à lareira. Realmente, ela merecia o melhor.
- Bom...
- Por favor, querida, diga que aceita. Diga que me perdoa.
- É, bem...perdôo, está bem.
- Assim não, diga com todas as letras Tê Tê, quero ouvir minha mulher falar, diga que me ama e quer se casar comigo.
- Te amo! E quero casar com você! Quero muito! – quase gritou, enxugando as lágrimas de emoção.
- Agora, amor de minha vida, faça esse favor ao seu futuro marido e eterno apaixonado.
- Sim, qualquer coisa, o que é?
- Chame logo o Alaor, droga!
Gisela Cesario